quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Conto do ônibus

Embarquei em um ônibus inter estadual esta noite, numa tentativa desesperada de ir embora de minha terra e recomeçar do zero. Sentei num dos bancos do fundo, e acomodei minha mochila entre meu pés.

Logo após, me seguiram mulheres com crianças, um velho com capote e chapéu, um chapéu que me lembrava o de um almirante, e um rapaz de farda militar. Todos se acomodaram nas poltronas do fundo, ocupando toda a traseira do ônibus.

O ônibus partiu chacoalhando fortemente. A noite estava muito escura, e os postes esparsos projetavam lampejos fantasmagóricos de luz dentro do ônibus, que iluminavam os rostos pesarosos e cansados dos viajantes. Havia um ar de cumplicidade entre todos nós, viajantes noturnos, como se nossos destinos estivessem unidos.

A viajem seguia calma, não houve um único bandoleiro para importunar o motorista ou aterrorizar os passageiros. Quase todos dormiam, exceto alguns poucos que liam livros para passar o tempo. Um rapaz na janela da traseira fumava um cigarro, só não sei de quê.

Percorri com os olhos os bancos iluminados pelos fachos de luz que vinham do teto, e cruzei olhares com uma menininha que não se deixou vencer pelo sono. ela não deveria ter mais que dez anos, mas seu olhar era o de uma senhora distinta. um olhar firme e austero vinha para mim daqueles olhos verdes.

Aquele olhar deu-me a certeza de minha escolha, a certeza de ter acertado ao resolver deixar para trás os vícios da metrópole e refazer minha história numa cidadela pacata no interior do estado vizinho.

O ônibus parou numa estação de uma cidadezinha charmosa no meio de um local aparentemente árido, mas belo ainda assim. Era naquela cidade que eu iria recompor a minha vida.

Mais algumas pessoas desciam do ônibus enquanto eu o olhava uma última vez. E mirando-o encontrei novamente a menina que me dera aquele olhar; acenei para ela, como que diz obrigado e adeus, e ela retribuiu com um sorriso em sua delicada boca. Logo então, o ônibus partiu e foi engolido pelo negrume da noite.

5 comentários:

Brasília disse...

muito bom o post..storia massa.

valew

janine disse...

muito bom...
o cara é corajoso de deixar tudo pra trás e começar de novo.

:)

Fashionista Butterfly disse...

Lindo texto, parabéns...você escreve muito bem.
Acredito que naquele ônibus todos eram cúmplices de um mesmo crime, ou descobridores de uma mesma descoberta, ou simplesmente brasileiros de um mesmo Brasil.

Everaldo Ygor disse...

Olá!
Belo Blog
Muito bom o seu conto...
As estradas, sempre mudando seres, transportando pensamentos e contos como esse aqui...
Parabéns!
Abraços!
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/

Thiago Lenda disse...

escreves muito bem, me senti dentro de um dos inúmeros capítulos do "Senhor dos Anéis"
rs...


Parabéns