sábado, 22 de novembro de 2008

Volta

Um telefonema no meio da madrugada acorda Sula do seu sono solto no quarto de hotel. Ela não consegue se recordar do que disse ao telefone, tão sonolenta como estava, mas lembra-se que marcou uma pequena reunião com a outra ponta da linha.

A contragosto, no dia seguinte, põe-se de pé e vai tratar da tal reunião, que tomou seu lugar num pequeno cubículo reservado na área de conferências do hotel onde ela estava. Entrou e sentou-se numa das duas cadeiras que estavam "ao redor" da única e pequena mesa que havia no recinto de paredes nuas e brancas. Então, logo depois, entrou aquele que a chamara até ali.

De pronto ela via o rosto seco de um homem, que sentou na outra cadeira e proferiu pesadamente:

“Eu sei o que você fez”

Sula estremece, o que o estranho queria dizer com tal ameaça clichê?

Mas, antes que ela falasse, ele tira um envelope pardo de uma pasta executiva que carregava até então, e dispôs algumas fotos na mesa. Sula olha atônita para as fotos, que datavam de poucos dias atrás: fotos dela com outros homens, mulheres... coisas que fariam o Marquês de Sade ruborizar-se.

“como conseguiu isto?” ela pergunta, não querendo acreditar que o estranho homem de camisa branca e suspensórios conseguiu evidências fotográficas de tamanha devassidão, logo dela, considerada mulher modelo e educadora exemplar, incorrigível.

O homem apenas se calou e olhou-a com o cenho franzido, aumentando as rugas do rosto já frouxo pela idade e vícios. Ele não responderia jamais a pergunta, mas replicou com outra: o que ela faria agora?

“Sabe, seria um desastre se essas fotos vazassem, principalmente para seu marido e seu filho”

Sula estremece mais uma vez: tinha esquecido da possibilidade de sua família descobrir tudo. O prestigio que ela e seu núcleo familiar harmonioso tinham na sociedade era imenso, um golpe como esses jogaria as manchas da desgraça sobre todos.

Ela olha para o homem – que permanece hirto e imóvel, como que entalhado em pedra – pronta pra suplicar-lhe, mas engole o choro iminente.

“o que queres de mim?” ela disfarça o tom vacilante da voz pra tentar crescer na situação e, se desse sorte, intimidá-lo.

Ele apenas sorri, fecha a pasta, deixando as fotos espalhadas sobre a mesa. Levanta-se e anda em direção à porta, mas antes de sair, se dirige a ela, e diz, ainda mais seco do que no começo:

“chora, assim como você me fez chorar um dia”

“Calisto?” ela olha, como que o reconhecendo nas névoas de um passado longínquo e inocente.

Ele não responde, apenas tenciona o rosto e dá uma risadinha pra dentro, e atira um pequeno frasco de vidro na mesa.

“Toma-o, se as lágrimas secarem”, e sai, trancando a porta com a chave.