sábado, 17 de abril de 2010

Abril (falando um pouco do Autor)

No meio de Abril começava então de fato a estação chuvosa, enchendo o ar de um cheiro nada agradável de terra encardida molhada, e reavivando as preocupações de enchente de uma rua de paralelepípedos perdida numa cidade portuária de um estado esquecido em um país sulamericano. Junto com essa chuva, vinha também uma estranha melancolia no coração do Zero.

Bem, acontece que eu sou Zero, e eu sou notavelmente depressivo. Mas esse Zero sou eu e também não sou; é meio que como se uma outra entidade se apossasse do meu humilde corpo, diferenciando-se do morados original por uma característica comum: a depressão.

A depressão original, a "minha", é amarga, fria e solitária. Ela me abandona nos cantos escuros, com boca amargada e fechada, cenho franzido, e tendo de lirismo apenas a quantidade homérica de música sombria, tristonha e complexa ouvida nesse ínterim. Já a "depressão do Zero", que se inicia com as chuvas de inverno, é de todas a mais bela dentre as depressões do mundo; ela é embebida de um lirismo triste, de olhos decaídos e nublados.

Zero deixa com ela de ser arredio e se esconder, e começa a vagar pelo mundo, esquadrinhando cada detalhe dele com olhos famintos e periciosos, ainda que opacos. É cheia de (pasmem) empolgações, todas de certo modo artísticas: é um interesse reavivado por fotografia, é o garimpo por música nova e inusitada... Mas é principalmente à lira que mais pende este afã. Da caneta esferográfica azul escorrem sonetos de métrica contada no dedo, versos livres descadeirados sob medida, tercetos, heptetos, e outros tantos filhotes do poema brotam dos lábios sempre calados e das mãos sempre afaimadas do Zero do Inverno.

Mas inda assim sente-se o lado amargo do qual advêm o termo dessa melancolia... é um eterno desalento, um incomodo enfado, um coração com o peso do Ósmio e inúmeras dores esburacando-o. Desta vez o que o aflige é a dura solidão, e a brusca vontade de pedir-se de novo ao ex-namorado.

Sofre sim, e muito, o Zero do Inverno, de dar dó e preocupação aos amigos que observam-no de pulsos atados à situação levemente hermética; tanto quanto sofro eu em minha deprimente situação; mas esta poderia passar, caso fosse vencida minha resistência em buscar ajuda profissional e junto fosse ministrada medicação.

Mas que ninguém ouse tocar na tímida depressão do Zero do Inverno, pois sua fugaz e incoerente beleza se vai assim como as belas e gordas rãs marrons das poças dos matagais dos arredores da rua de paralelepípedos, ela se vai com o estiar dos aguaceiros.