quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Casa

A figura diminuta do rapazinho andava destoante do resto da paisagem. Ele andava pelo meio de uma clara passagem de pedra serpeante no meio de árvores frondosas e espaçadas, que a despeito do céu cinzento corriqueiro, pareciam no meio de um dia suavemente ensolarado; já ele trajava um cardigã preto alguns números maior, ficando ainda mais miudinho, com apenas as pontas dos dedos vendo a luz do dia pelo final das mangas.

A cada passo que dava, seus tênis estalavam pedrinhas e galhos que se prendiam no meio do pavimento irregular. Cada barulho novo fazia com que ele procurasse urgente a origem desse barulho como que vindo de longe, esquadrinhando a paisagem com olhos arregalados e muito negros.

Ele próprio não entendia porque estava ali, algo parecia puxá-lo com uma força intensa e inefável, e ele sucumbiu a ela e seguia o caminho com tensão crescendo a cada instante. Não suava por estar quase a zero grau centigrado, mas cada átomo do seu corpo vibrava em um tom urgente como que tentando alertar o todo do quão estranha era a situação.

De repente o caminho morreu. A via de pedras claras e cascalhos acabava em um bordo reto, dando de frente a uma árvore magnífica. Ele ficou fitando a árvore, com um espanto tão inexplicável quanto o motivo dele lá estar.

Era um frondoso carvalho, com um tronco incompreensivelmente largo e de uma cor tão densa e profunda que não parecia real, e com uma copa imensa, que se abria mais de metro para os lados, e vários metros acima, com folhas do verde mais pesado e lindo que ele já vira. A copa era densa e fechada, não deixava passar sequer um facho de luz, parecia composta de uma peça só.

Ele ficou olhando pra cima, diretamente para a copa que pairava não muito mais alto que ele, sentindo uma estranha familiaridade. Até que então a porção de folhagem logo acima e à frente dele agitou-se por um instante, e alguma coisa saiu.

Era um grandíssimo inseto, num tom de amarelo escuro terroso, com um tórax redondo, de onde partia um par de patas compridas e roliças, ainda que mais ou menos finas. Tinha dois olhos completamente negros, do tamanho de um punho, e mandíbulas laterais do tamanho de uma mão aberta, parecendo capazes de quebrar um osso se tivessem intenção. O resto do inseto estava ainda mergulhado nas folhas que se torciam ao redor do corpo, quase como se quisessem se tornar um só com a criatura.

Ele quedou-se imóvel mesmo após surgir tão impressionante figura. Não esprimiu um som, sequer moveu os braços, apenas ficou fitando fixamente a criatura que emergiu da copa do carvalho. Era possível ver o reflexo do inseto nos olhos dele, de tão intenso e fixo que era o olhar.

A visão de tal criatura trazia terror a qualquer pessoa que se deparasse com tamanha quiméra, mas ele continuava incólume e imperturbável ao olhá-lo. Ele via ternura no olhar do inseto.

"Casa... para mim?" disse ele do nada, ainda olhando em direção à copa da árvore.

O inseto apenas continuava retribuindo, silencioso e imóvel, o olhar.

Ele deu dois passos tímidos em direção ao tronco, para ficar mais abaixo do inseto.

"Me leve pra minha casa, minha casa nas árvores" falou, ao estender os braços pra cima, em direção à copa.

O inseto não fez um único som, apenas estendeu as duas patas compridas que até então pendiam suaves, e içou-o por debaixo dos braços, recolhendo-se lentamente para dentro da folhagem.

A folhagem estremeceu toda por um instante assim que os dois desapareceram no mar de folhas verde-escuro. Tudo continuou silencioso como estivera desde o início.

Apenas um vento gelado varreu o final da via, assoviando suave e remexendo as folhas do carvalho.