Era o parapeito mais alto da cidade. Madeira laqueada, alumínio e concreto arranjados matematicamente sob as solas rachadas de seus pés. Mais do que a arquitetura, seus pés liam a altitude torreante acima dos outros prédios, solidez, um porto seguro.
E sufocamento.
Abaixo, a cidade desenhada em incalculáveis contas com brilho de vários Watts em cada uma. Os paetês elétricos entremeados por sulcos cinzentos gritando alto no silência absoluto da madrugada - quantos vinis ele ouvira que não tinham sulcos ensurdecedores como esses - faziam rica costura até onde os olhos podiam enxergar.
E nada.
Uma dança espasmódica dos dedos dos pés contra a esquadria foi a única reação ao nihil, embora multicolorido, que olhos e boca processavam do parapeito. Sombrancelhas franziram tentando fazer sentido da desordem sensorial da vista e do ventoque soprava impessoal da altura que estavam. Mas nunca lera Nietzsche. Lera bem menos do mundo do que deixava entender.
Olhou pros pés descalços e as unhas quebradas por acasos pontuais - uns de trabalho, outros da vida - e tentou lembrar a razão de ter vindo ao parapeito. Uma fita longa de perguntas que puxavam umas as outras seguiram, e logo vieram olhos espremidos e têmporas massageadas para trazer novamente foco e mente livre.
E aerodinâmica.
Era o sentido que desenvolvera, o sentimento que permeava. Aerodinâmica apitava forte na corrente de ar e atenuava o borborigmo da incerteza. Um momento de reflexão com flashes das carteiras de cigarro na escrivaninha e as desculpas tecidas para justificar o hábito. Um momento de saudade cheirando a incenso e luz negra. Um aperto na garganta ao imaginar os dedos eternamente laboriosos em representar qualquer que seja a versão mensurada da realidade que se tornaria a prelazia de sua vida.
E então veio a serenidade de quem não tem opções justamente por ter opções em demasia.
E então veio o passo dado no vácuo.
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