terça-feira, 13 de março de 2012

Carta ao que me foge

este texto demanda que se ouça duas músicas durante a leitura: "Ne t'en fuis pas" da Kate Bush (vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=ld0K91RkaTE) e "Somebody That I Used To Know" do Gotye (vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=8UVNT4wvIGY)

Gostaria de dedicar esta pequena carta que nunca foi endereçada ao seu destinatário à minha amadíssima esposa-por-assim-dizer R. Dachery, e ao real destinatário dela, que há de saber quem é, quando lê-la.

Te escrevo não sei com que rosto, já que pelo visto ao menos pra ti não tenho mais feições a reconhecer. Só sei que te escrevo com os dedos apertando trêmulos as teclas da velha máquina de escrever; trêmulos de tanta coisa, que teria de te escrever outra carta apenas pra contar os vetores que eles descrevem.

Te dei meu dezembro, te fiz meu janeiro à moda, e parte do meu fevereiro cavalgaste à gosto; venerei o mais simples sissiar dos teus pulmões, carreguei tuas lágrimas em meu ombro com um tenro orgulho tê-las me confiado, senti o peso da tua presença sobre mim, e sorri. Até o gosto malcriado dos teus cigarros eu apreciei, até a presença sufocante da tua hombridade eu trouxe pra entre meus lábios. E tu me tiras a cor de minha carne e a forma de meus ossos, com os novos óculos que carregas escudando as faces, ou simplesmente com esse gelado que resolveste carregar por detrás dos teus olhos.

O que se passou desde o beijo? desde as lágrimas? desde os olhares trocados entre vergonha e admiração? desde que o assim-dito Príncipe das Trevas selou o que eu acreditava longevo, esperava eterno, e nutria íntimo?

Nada mais disso conta, ou estou eu sendo apenas punido por ter semeado em mim mais do que minha Deméter pessoal permite que eu cultive?

Te escrevo agora com uma diminuta xícara branca fumegando a bebida que elegemos como o ponto alto de nossos encontros, e ouço vozes cantando no fundo dos meus ouvidos. As duas me cantam cada uma sua lira, e cada uma busca de mim descortinar lágrimas - lágrimas que prometi não verter, prometi ser forte por nós dois, custasse-me o que fosse - e cada uma me canta uma parte do que sinto.

Ele me canta o que sinto, de como tu te afastaste do nada, me negando além do amor que (ao visto) não posso ter, a sua simples presença. Me canta como tão erradamente me tratas como se o que ocorreu não fosse nada, como se não contasse o tempo que dediquei-te em uma bandeja de prata. como agora tu ages como se fosses apenas "alguém que eu costumava conhecer".

Ela me canta a minha súplica, canta o que te peço, com meus joelhos contra o chão frio à sua sombra. Não sede gato arredio, não me vás, não só porque os olhos gigantescos de um Deus me impedem te tomar-te pra mim à força.

Eu te peço, te suplico, não me fujas

Je t'en prie
Je t'en prie
Je t'en prie

Ne T'enfuis pas!

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