segunda-feira, 2 de maio de 2011

Anos de Silêncio

Naquela cidade não se falava havia muitos anos, a última palavra proferida soara há tantos anos que ninguém tinha idéia de quando foi. Só se sabia que um belo dia, todos amanheceram calados e se mantiveram em seu silêncio monástico.

As próprias pessoas eram a encarnação do silêncio: andavam cabisbaixas, os ombros encurvados e pendendo para frente, numa fisionomia que parecia o misto de medo e desânimo. De tanto silêncio, até sua carne tinha mudado para um tom acinzentado por cima do branco rosado de antes, até os cabelos saíram do louro para a cor de algodão sujo.

Eis que um dia chegou um forasteiro àquela cidade onde até o cascalho parecia ter medo de ressoar debaixo dos pés do povoado. Trajava negro, e carregava uma caixa firmemente agarrada em seus dedos longos.

Parou no meio da avenida central num dia em que por mais que estivesse claro, o céu parecia negro. A rua estava deserta, mas pouco a pouco uma tímida e amedrontada plateia se formou ao redor do homem que não esboçava uma expressão sequer, apenas segurava firmemente a caixa com suas mãos cadavéricas.

Seus olhos então se abriram e ele analisou demoradamente a multidão que o cercava, cheia de olhares urgentes e mãos se apertando umas nas outras. Julgou-os de algum modo satisfatórios ou merecedores, e então ofereceu-lhes a caixa, com um sorriso indecifrável no rosto.

Os olhares contritos de outrora toranaram-se arregalados de espanto, e uma curiosidade mordaz palpitava em seus corações, debatendo-se contra as costelas.

Um deles ousou então dar um passo à frente, em direção á oferta do forasteiro. - se era jovem ou velho, não se sabe dizer, todos portavam a mesma feição de rocha fria e silente. - A caixa então foi solenemente passada para suas mãos, para o gozo do forasteiro que entrelaçava os dedos e expandia o ilegível sorriso.

As mãos que seguravam a caixa hesitaram no botão que liberava sua tampa, até que pressionaram-no, e um clique metálico soou. A pequena multidão se encolheu sobre sí mesma enquanto a dobradiça deslizava levantando a tampa.

Todos os olhares intrigados mergulharam em direção à esfera de luz e cor que havia dentro da caixa, e todos sentiram uma curiosidade ainda maior sobre o que o forasteiro trouxera.

Mas o forasteiro desaparecera quando os olhares se levantaram para procurá-lo.

Os mesmos dedos que pressionaram o botão seguraram a esfera de luz e abandonaram a caixa vazia no chão. Todos os olhos agora a fitavam com desejo, fascínio, medo, e outras emoções que não cabem nas palavras.

De repente, uma pluma de éter e vapor se desprende da esfera, e meneia preguiçosamente até próximo do rosto do intrépido portador da esfera. Sua boca escancarada de espanto torna-se o berço da nuvem que caminhara pelo ar, e que garganta adentro se precipitou.

E um gorgolejo, um balbuciar humano se projetou para fora dela.

O espanto foi geral, a multidão se retrai para longe enquanto o portador da esfera a examinava intrigado, e instintivamente balbuciava novamente, descoordenado.

Mil sentimentos brotaram das espantadas almas dos que viam a cena. Olhares confusos foram trocados tentando entender o que se passava, enquanto o balbuciador exclamava, agora em júbilo.

Quantas gerações haviam surgido e sumido sem escutar esse som, que agora ouviam ecoando entre as casas? Ninguém sabia, nem poderiam pensar, suas mentes estavam embotadas com um único pensamento:

"Eu tenho de pegá-la parar mim!"

O balbuciador logo se pegara cercado por um mar de olhos famintos, e lentamente desceu o braço da esfera junto para sí. Foi interceptado por uma mão que cerrou-se sobre seu pulso, puxando-o para longe. Mãos oportunistas agarraram os dedos da esfera, cravando as unhas na carne, bocas cobiçosas mordiam braços entrelaçados para obrigá-los a cederem, tentando abrir caminho em direção à bolinha de luz na ponta de dois finos dedos.

Logo a multidão se tornara um emaranhado enrubescido pelos talhos que dentes, unhas e punhos rasgavam uns nos outros. enquanto isso, o forasteiro conservava o mesmo sorriso imenso e enigmático, acenando tchau para a cidade onde disseminara tão curiosa situação.

Ninguém notou que suas pegadas não tinham calcanhar

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