sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sprawl

Augusto era um típico retrato do adolescente decadente da classe média. Era vazio de grandes ambições e realizações, indiferente ao que lhe ocorria ao entorno, com um mundo focado no seu próprio umbigo e uma força vital destinada apenas a satisfazer seus desejos rasos de garoto mimado na puberdade. Vazio de emoções e infértil para as artes e engenhos humanos, ele apenas existia no mundo, misturando-se ao mar cinzento de tédio e morosidade do mundo.

Vivera até a fatídica data em torno de dezoito anos de vidinha boba, preocupada com garantir companhia de Shopping no final de semana e com baladas calibradas a preço de qualquer psicotrópico que houvesse por perto. Foi então numa dessas que lhe acometeu uma revolta oca à sua rotina monótona de filhinho-de-papai.

Saíra então, furioso e gritando "Isso tudo é uma puta merda!", empurrando as pessoas no caminho para fora do prédio onde a música alta e os neons piscantes abafavam as percepções de todos. seus amigos-pelegos, de personalidade ainda mais diminuta que a de Augusto, que lhes era mais do que amigo, algo mais para um líder e senhor soberano, seguiram-no rapidamente, repetindo a grosseria de ombrar e empurrar todos no caminho, encontrando-se todos então na calçada, madrugada deserta, com Augusto entupindo-se de coca, tanto cola quanto ína.

Os olhos de Augusto caçavam vorazmente pela rua vazia algo que pudesse saciar a sede de emoção e turbulência que ele tanto ansiava para curar-se momentaneamente do tédio burro de sua vida. Até que seus olhos caíram sobre um rapazinho magro, um pobre coitado voltando de seu trabalho que se arrastava madrugada adentro.

Poucos passos foram precisos para que o bando tivesse cercado o rapazinho com todas as más intenções e sorrisos diabólicos possíveis. Estavam em quatro animalotes treinados em academia contra um diáfano rapaz que tremia na expectativa do seu desfecho.

O punho fechado de Augusto foi o primeiro a voar, indo de encontro ao nariz do rapazinho, que jorrou sangue e foi amparado com as mãos em meio a um urro de dor. Todos os quatro então fizeram chover pancadas nele, que rapidamente caiu de joelhos, e logo estava estirado no chão.

Mas Augusto ainda não se deu por feliz com a adrenalina da violência, e tomou o rapazinho apenas para si, esmurrando-o até que não se ouvisse mais seus gemidos de dor. Soco a soco, ele arrancou cada gota de sangue que pode da vítima, até que ele fosse um saco de pele inerte, coberto de hematomas, e sem vida.

Todos fugiram de imediato ao perceberem o que houve, largando Augusto pra trás, sozinho com o defunto que produzira. Imediatamente, a chapação da droga passou, deixando-o terrivelmente sóbrio, sóbrio demais para aguentar cair na real do que ele acabara de fazer.

Com os olhos arregalados, Augusto olhou suas mãos que tremiam de tensão, e as viu vermelhas, como que com uma luva, com o sangue do finado rapaz. E ele enxergou nessas manchas a mugre, o encardume e toda a carepa da vida ridícula e vazia que levava; tão podre de vícios, tão carregada de tolices, e agora coroada com um crime hediondo: uma vida tomada por mero capricho.

Correu. Suava frio, tinha ânsias de vomitar, tinha ganas de chorar do pânico burro que lhe brotava ao tentar processar o que fizera em sua cabeça e suas consequências. Chegando em casa, trancou-se no quarto, contendo os soluços desesperados que surgiam.

Foi então que ouviu as vozes que cantavam em seus headphones, fazendo uma cama sonora pra sua vida fútil. Pareceram-lhe vozes de Santos, anunciando-lhe uma redenção em meio ao seu desespero, e pôs-se a construir o caminho de sua redenção, no silêncio absoluto garantido pelas pílulas pra dormir de seus pais.

Teve então o seu pecado-mor de nascença perdoado pela santa Cruz, embora seus pregos fossem de lençóis amarrados aos pulsos. Entre as montanhas de concreto e vidro que se estendiam além das montanhas, teve seu Santo Repouso longe rat race que seria retomada ao nascer do sol.

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