terça-feira, 18 de maio de 2010

Fotograma

E de repente Lídia toma consciência de que estava livre de tudo o que a prendia com pregos pelos pés àquele lugar. Mas não sorriu, não abriu os braços e exclamou um "Viva!" pela sua liberdade; muito pelo contrário: ela se amedrontara.

Amedrontada porque agora não tinha mais guia na vida, não sabia mais o que faria. Rotina e protocolo foram ao chão, patrão não tinha mais, emprego não necessitava pelo resto de sua vida, nunca fora afeita a namorados ou cônjuges, portanto não carecia de um. Mas agora que Lídia não tinha mais um trilho por onde deslizar pela vida, ela se assustara um bocado com a pressão que é ter de decidir sua vida por conta própria.

Suspirou por um instante, estremeceu, e precipitou-se pela porta da rua, pegando uma bolsa aleatória no cabideiro. Saiu apertando o casaquinho azul-celeste de tricô contra o corpo se resguardando do vento regelado que varria as folhas caídas das muitas árvores da calçada, e andou por alguns quarteirões olhando ressabiada pra todo lado através dos seus óculos retrô "de gatinha". Só depois de andar por vários minutos que ela parou pra olhar a bolsa que ela tinha pego ao sair.

Era uma bolsa meia-lua de couro preto, que Lídia reconheceu ser uma bolsa que ela não usava havia seguramente mais de uma década. Revirando seu conteúdo, em sua maioria pequenos itens de maquiagem há muito expirados e quinquilharias distribuídas como brindes pela empresa onde trabalhava, ela encontrou uma câmera fotográfica dentro de um estojo de vinil preto.

E Lídia lembrou de como antigamente ela amava fotografar, e do seu hábito dominical de sair de bicicleta até o parque da cidade e gastar rolos e rolos de fotogramas com as paisagens que surgiam por entre as árvores.

E num sentimento de "sim, porque não?", seus pés começaram a encaminhá-la para os lados de sua paragem dominical, onde um rolo que esperou anos pra ser finalizado finalmente retratou o que iria ocupar os muitos dias livres de Lídia dali por diante.

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