quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Doçura

Pamela era, entre suas seis irmãs, a única que via as coisas diferentes.

Suas quatro irmãs mais velhas, e as duas mais moças, viam as coisas de um modo simples, árido até: ou as coisas eram, ou não eram, e ponto!

Pamela tinha em seus olhos cor de abelha algo que ninguém, eu acho, possuía até depois da infância. Seus olhos claros e esperançosos tinham uma capacidade de maravilhá-la infinitamente, fazendo que as pessoas de corações arcaicos e asfaltados pelas coisas da vida moderna e consumista achassem-na insana ou, no mínimo, boba.

O fato é: Pamela via uma beleza infindável no desabrochar de uma Maria-sem-vergonha de pétalas rosadas em meio ao cinzento doente do concreto das calçadas da metrópole balofa onde morava. Até o vôo desengonçado de um saco de supermercado carregado para próximo do alto dos prédios pelo vento fazia com que ela soltasse exclamações de jubilo, ao menos por dentro.

“Olha que raro isto, Mãe!” ela dizia com os olhos quase lacrimosos de tão abertos e fixos.

“Isso é só um saco de lixo carregado pelo vento!” dizia de forma ríspida e grosseira a mãe de Pamela, amargada pela vida mal dirigida, e pelas muitas horas cheirando acetona entre seus trabalhos de manicura “Você já tem vinte-e-um anos, pare de ser tão abobada!”.

Pamela nem ligava, continuava admirando o suave rebolar do saquinho de plástico na ventania, sem prestar atenção no comentário ofensivo e ríspido da flácida e pudinosa figura da mãe, frustrações e vícios.

O tempo passou, a mãe morreu de doenças relacionadas ao rancor, e as irmãs viviam vidas submissas, apanhando dos maridos e indo às missas com saia abaixo dos joelhos.

Pamela, por sua vez, continuou sorrisos radiantes, e conseguiu manter a jovialidade no coração, e a beleza que tinha quando novinha, a despeito do acinzentar e enrugar de suas irmãs. Não precisou se casar para viver um amor infindável e gratificante, pois já o tinha com o mundo e suas pequenas belezas.

4 comentários:

Anônimo disse...

que massa, o texto. porem é triste o final!

Erich Pontoldio disse...

Ela via a beleza em tudo ... era a mais pura e sabia identificar o caminho para o mundo bem melhor

Lari Bohnenberger disse...

Lindo, doce e verdadeiro!
E ao contrário do primeiro comentário, o final não é nada triste! É acolhedor!
Bjs!

Nati Pereira disse...

Gostei muito do texto, muito bem escrito. :)