sexta-feira, 10 de agosto de 2007

execução

Edgar estava no meio da sala de estar, sentado numa cadeira de praia. Uma taça de vinho tinto na mão, e a garrafa, meio cheia, ainda gelada, de pé ao seu lado no tapete.

Um ar típico burguês, a soberba sensação de esvaziar a segunda garrafa de vinho francês, a cabeça ficando leve...

- Já está ficando alegrinho de tanto beber?

Edgar é pego de sobre-salto, a taça de vinho meio cheia escapa de sua mão e se espatifa na parede atrás dele ao perceber que uma mulher vestida em um sobretudo no canto da sala dirigia-se a ele. Ele jamais a vira em sua vida inteira.

-O que você está fazendo aqui? Como você entrou aqui? Quem diacho é você?

A mulher já esperava tal reação.

-Não entrei, sempre estive aqui; e estou aqui como seu equivalente ao anjo Samiel.

Edgar começa a ser apossado pelo receio. Sabia o papel do anjo Samiel, vindo de uma ária que assistira, mas não sabia o porquê dela ter essa função. Justo com ele, um judeu dedicado, bom, justo e seguidor dos preceitos. Por que ele?

-Quem veste os mortos e dança com eles, deve se juntar a eles, senhor legista.

Nova onda de desespero. Ele agora se sentia como se o tivessem rastreado pela vida toda.

-Certo, então você sabe de meu trabalho no departamento médico legal; mas, você pretende fazer o quê?

Ela ri, joga os cabelos para trás com a mão.

-O que tinha de ser feito, foi feito, agora é esperar que o metabolismo aja.

Edgar deixa escapar um muxoxo de incompreensão.

-Fica claro que você não tentou abrir as janelas, pois saberia que elas estão hermeticamente lacradas, o vidro agora é inquebrável. A porta também foi lacrada, e reforçada. O telefone foi cortado, e a luz em meia hora se apagará. A água continuará, para não morrermos de sede, e comida temos para um bom tempo. Agora só nos resta esperar que nossos corpos consumam o oxigênio restante.

Desespero, Edgar cai no chão e começa a chorar convulsivamente. Mas, com o tempo, lembra-se do cilindro de ar que tem no quarto, resquícios de sua viagem á praia semana passada; também se lembra de seu celular, que ficou no quarto, junto ao cilindro. Ele teria como chamar ajuda; e provocaria fumaça para sufocar a estranha mulher, sobrevivendo com o ar do cilindro.

A mulher se levanta calmamente, e ruma ao quarto; logo depois se ouve um estalo e um estrondo. Volta com os pedaços do celular na mão.
-Esqueça seu plano de se salvar com o celular e o cilindro, que, inclusive, encurtou nosso tempo aqui.

Edgar olha perplexo para os cacos de celular, e depois para ela, pedindo com os olhos por explicações.

-Um cano foi rompido no banheiro quando eu me livrei do cilindro de ar. Em algumas horas o apartamento vai ser inundado.

Outra onda de desespero. E depois confusão, delírio histérico, anestesia, conformação. Vai até a estante molemente, e apanha uma caixinha. Senta-se á frente de sua executora.

Joga xadrez?

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