sábado, 13 de março de 2010

Tortura

Eu tinha acabado de recobrar a consciência, provavelmente tomada por aquele cheiro de hospital que denunciava o éter esfregado nas minhas narinas. Tentei me mexer, mas minhas pernas estavam unidas com fita adesiva náutica, que eu seria incapaz de romper com a minha força vacilante, ainda mais meio chapado. Tudo que eu dava conta de mexer do corpo eram os braços, ainda que imobilizado do ombro ao cotovelo pela mesma infame fita náutica.

Tentei puxar folego pra gritar por alguem, mas assim que fui inspirar senti uma coisa áspera a fina me estrangular a garganta. Procurei tirar esse incomodo obstáculo, mas minhas unhas mal o roçaram; estava tão apertado que, durante meu torpor, seja lá o que fosse, cortara a carne do meu pescoço e se enterrado nele de maneira irremediável.

Olhei para os lados, tentando entender a situação, com o Pãnico enchendo o meu sangue de adrenalina, e cortando o efeito do narcótico. Passando os olhos pelo recinto, via o quarto de motel mais clichê, com tapetes felpudos, cama circular, e espelhos pra todos os lados.

E num desses espelhos, pude me encarar de frente.

Eu estava com a mesma fisionomia bagaceira de sempre, aquele estilo e aparência clássica de motoqueiro barra-pesada; exceto que desta vez estava com o pescoço levemente tinturado de sangue, vindo da ferida que a corda da forca onde eu estava fizera... Espera aí, forca?

Sim, forca, estava numa forca, mas por algum motivo eu não estava pendurado nela, sufocando até a morte. Reagindo involuntariamente tomado de pânico e esperanças de sobrevivencia, comecei a me debater.

A cada movimento espasmódico do meu corpo, se seguiu um som de algo grande raspando o chão. Meus olhos correram pela sala, procurando a fonte do som, até se depararem com o espelho.

Debaixo dos meus pés, me apoiando protegido do enforcamento, estava um grande bloco de gelo.

Eu não conseguia acreditar nos meus olhos, em me ver como ator de um teatro tão cruel, e ao mesmo tempo tão engenhoso. Uma técnica de tortura genial, fazer a pessoa ver seu irremediável fim chegar do ponto de vista de mil espelhos, esperando por horas pelo derretimento de um pedestal de gelo. Quase poético, o fim que algum maníaco elegeu como o meu.

Suspirei, os olhos ameaçando marejar de água, a respiração encurtada pela forca ficando ainda mais curta, resignei-me com o meu destino incomodo, com os braços tão limitados, resignei-me a fumar os vários cigarros que haviam no meu bolso sem remorso algum, agora sabendo que não seriam eles que me matariam.

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