segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Troco

o mundo para ele agora era aquele copo, e o besouro verde esmeraldino se debatendo em sua parede interna, persistindo em uma situação sem rotas de fuga. uma voz perdida no salão fora de foco pedia, ou melhor, ordenava, que ele deixasse o pobre inseto ir. sem sucesso.

seus olhos estavam fixos nas patas finas do inseto tentando galgar o vidro, nos hélitros que se debatiam numa tentativa frustrada de içar vôo para longe da prisão vítrea do copo de requeijão emborcado. indiferente ao sofrimento que com certeza o pobre coleóptero passava, ele se divertia com um sorriso largo empurrando pra cima as maçãs do rosto, e com um brilho quase demente iluminando as pupilas dos olhos cor-de-mel.

eventualmente, ele se cansou, por ora, de observar o claustro do besouro. ergueu o copo com a mão tampando incompletamente a abertura, virou o copo ao contrário pra renovar o ar, e mais uma vez o apoiou na mesa, mantendo o prisioneiro por uma noite de xadrez.

sono solto, e no dia seguinte acorda com os olhos embaçados de sono e remela, mas já sente algo distinto ao seu redor. põe-se de pé na cama, mas não fica. sua cabeça bate em algo, e ele quica de volta pra cama, confuso.

o teto estava baixo como jamais estivera, as janelas, hermeticamente fechadas, e a porta desaparecera em meio ao papel de parede.

levanta-se de gatinhas, e vai até as paredes, tateia-as como em busca de algo, os olhos correm pelos quatro cantos do aposento anormalmente pequeno, até que se deparam novamente com a janela, e ele engasga uma indescritível interjeição de susto.

bem no vidro da janela, que estava fechada e vedada, havia um rostro verde brilhante, com olhos grandes de contas tomando totalmente os lados da cabeça, e duas antenas oscilantes. até uma pata fina e comprida, cheia de espinhos e pêlos se dispoz a batucar.

Um comentário:

Alex&Elisa disse...

Ótima ficção...digna dos grandes livros de reflexão humana...

Beijos do Alex